Mandar sozinho é fácil, como faz Bolsonaro; difícil é ser democrata
FOTOS GIL LEONARDI/IMPRENSA MG + LUIZ SANTANA/ALMG): Romeu Zema e Agostinho Patrus ainda não fumaram o cachimbo da paz
Cinco dias depois da trombada de poderes em Minas, ainda não surgiu a fumaça branca do consenso, conciliação ou pacificação. Até agora, ninguém convidou ou foi convidado a fumar o cachimbo da paz. Existem escolhas, princípios e visões de mundo diferentes e divergentes, mas que não seriam a causa principal. A resposta, talvez, esteja, apelando ao espírito bíblico, na “casa que falta pão, todo mundo briga e ninguém tem razão”. Pão é tudo e tudo só é possível com o dinheiro, então, a falta de dinheiro é, sim, a causa central desses conflitos.
Por cultura e tradição, o governador de Minas tomaria a iniciativa. Ao contrário, Romeu Zema (Novo) continua tocando sua agenda como se não fosse com ele. Na quinta (6), por exemplo, jogou mais lenha na fogueira que mantém acesa, em Santa Rita de Sapucaí (Sul), base eleitoral, aliás, do novo secretário da coordenação política, o carioca com aparência de mineirês Bilac Pinto. Ao discursar, durante lançamento de testes com tecnologia 5G, o governador voltou a criticar o principal patrimônio de seu governo, do estado e dos mineiros: a Cemig.
Culpa da Cemig ou de sua direção?
Como governador e, nessa condição, comandante em chefe dessa e de outras estatais, ele questionou o papel da Cemig no desenvolvimento de Minas. De acordo com ele, a companhia de energia elétrica ou deixou de atender ou levou meses para atender a pedidos de pessoas e empresas que requisitaram ligações ou aumento de carga. A companhia não faz isso sozinha ou, então, o presidente Cledorvino Belini estaria contrariando as ordens do chefe.
Disse mais, que a Cemig não atende a indústria que, em razão disso, precisa gastar R$ 1 milhão por mês com óleo diesel em geradores, quando poderia comprar energia elétrica por um quarto desse valor.
Jogando contra o patrimônio
Zema ainda perguntou o que a empresa, que está sob o seu comando, está fazendo. “Será que essa empresa está ajudando ou atrapalhando no desenvolvimento do nosso estado? Fica aí a interrogação para vocês”, insistiu o governador, como quem faz campanha para convencer os outros e alcançar seu objetivo. Por suas manifestações, ou estratégia, não quer saber da empresa elétrica na condição de pública.
Por quê? Seria apenas um princípio liberalizante ou pressões externas de interesses igualmente externos. Ninguém é ingênuo de pensar que, no mundo dos altos negócios e interesses, prevalecem menos ideias e ideologias do que o dinheiro.
Quem pode responder?
Tudo somado, são sinais como esses que confundem a todos. Se o governador é o comandante da empresa, por que ele não a coloca nos trilhos de sua orientação e determinação para que cumpra a missão desejada pelo cidadão e pela indústria? Outra, a Cemig anunciou, há menos de 15 dias, lucro recorde e histórico de R$ 3 bilhões nos primeiros seis meses do ano. Como vender uma empresa dessa por R$ 4 bilhões, quando dá lucro de R$ 3 bi em meio ano?
E mais, o governador já foi ou teria sido empresário bem-sucedido no grupo que leva seu nome, como todos sabem, mas, como vendedor de estatais, parece agir contra o patrimônio. Quer vender a Cemig, mas fala mal dela o tempo todo. Parece em campanha para convencer o seu verdadeiro dono de que ela não é boa, que é preciso passar pra frente, e logo. Hoje, na administração pública estadual direta e indireta, ninguém faz a defesa da companhia. Nem mesmo o secretário que acabou de chegar, que começou sua carreira pública por meio da estatal. Uma personalidade como JK, que a criou, faz falta; e outra, que a defendeu com os punhos cerrados, como Itamar Franco, também.
Encontro de verdades
São questões como essas que dificultam o diálogo com os deputados estaduais, os meios político e social. Eles não pensam como Zema, nem por isso estariam mais ou menos certos do que ele. Esse é um dos valores e pilares da democracia, ao permitir a coexistência de verdades diferentes. Que prevaleça aquela que for contextualmente mais verdadeira do que a outra, por meio do diálogo.
O partido dele, o Novo, continua brigando com a Assembleia e os outros deputados dentro da Assembleia. Querendo mais ensinar do que aprender, como se eles representassem a renovação da política na luta contra a velha política que os outros seriam.
Contou até 10 antes de responder
De sua parte, o presidente da Assembleia, deputado Agostinho Patrus, acabou se manifestando sobre os choques. Pela primeira vez que o fez, depois de acautelar-se para não perder a cabeça, Agostinho publicou artigo no jornal Estado de Minas, dando resposta articulada à crítica direta que recebeu do governador.
No artigo, defendeu Agostinho que os investimentos públicos estaduais devem chegar a hospitais, escolas, batalhões. “É onde Minas acontece e é para onde a Assembleia Legislativa volta o olhar e a atenção para que o Estado não seja retardatário em seu desenvolvimento”, pontuou o parlamentar, fazendo releitura do adjetivo retardatário que Zema havia atribuído a ele.
Não foi uma manifestação agressiva do governador, mas revelou sentimento não explicitados. Mais do que habilidade política, já que o meio é político, faltou a Zema habilidade no relacionamento para não dizer outra coisa.
Bombeiros para sinais de incêndio
Perguntado sobre a necessidade de reaproximação e pacificação, o presidente do Tribunal de Justiça de Minas, outro chefe de poder, desembargador Nelson Missias de Morais, assumiu mais do que os outros dois a condição de pacificador e bombeiro da crise. E disse laconicamente que não há necessidade de reaproximação porque não houve distanciamento. Muitas vezes, ignorar a existência de uma crise desnecessária e provisória, é mais inteligente do que reconhecê-la e dar vida ao que não deve sobreviver.
Vamos ver se baixa a poeira dessa semana que passou, a primeira de setembro. Quem sabe, na próxima, os ânimos estarão mais serenados, e o novo coordenador político Bilac Pinto possa cumprir a missão pela qual veio e tentar reconstruir as pontes que andaram balançadas entre o Executivo e o Legislativo. Agora, ampliadas para o lado do Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, Tribunal de Contas.
Com alinhamento, Zema está refém de Bolsonaro e da economia
Juízo final
Hoje não é o dia do juízo final, mas da independência do povo brasileiro. “Quero ter olhos para ver a maldade desaparecer”, é o que desejo a todos pela voz da bela Clara Nunes e veia do eterno Nelson Cavaquinho. Ouça aqui