Com fim da urgência, Zema e seu único projeto são derrotados pela Assembleia
Antes mesmo de ouvir a decisão judicial que foi buscar no STF para dar sobrevida ao seu principal projeto de gestão ultraliberal, Zema consumou a derrota perante a Assembleia Legislativa. Na sexta (11), o governador formalizou a retirada do pedido de urgência sobre o projeto de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Esse é o seu principal, e único, projeto de gestão. Com a medida, a matéria não deverá mais ser votada pelos deputados neste ano, portanto, neste mandato. Para o próximo, só se Zema for reeleito.
O presidente da Assembleia Legislativa, Agostinho Patrus (PV) e o governador Romeu Zema (Ascom/ALMG)
A intenção da retirada é o destravamento da pauta da Assembleia para que deputados possam aprovar outro projeto do governo: de reposição salarial a todos os cerca de 600 mil servidores. A recomposição geral será de 10,06%, como decidiu o governo e não se fala mais nisso, porque o governo alega impedimento por conta dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Com toda aquela habilidade política que lhe falta, Zema mandou o projeto e um aviso do tipo ‘não mudem porque eu vou vetar’.
Prazo de reposição é de 2 de abril
O tempo corre contra o governo, que só tem até 2 de abril para conceder reposição e outros benefícios. Mesmo assim, sem negociar ou ouvir os servidores, apesar das reclamações e protestos deles, enviou o projeto com o que ele disse que podia dar. Da mesma forma, encaminhou o mesmo projeto para o Legislativo sem interlocução prévia, mesmo sabendo que deputados têm autonomia constitucional para fazer alterações. A situação fiscal foi o argumento usado para atropelar a todos.
Isso não quer dizer que o governador e sua equipe estejam mentindo, mas é certo que lhes falta transparência sobre as contas que são públicas. E mais, capacidade de diálogo para uma convivência respeitosa e republicana. Para a turma e visão do Novo, e de empresários que orbitam em seu entorno, democracia é outra coisa. Do tipo assim, que dialogar com deputados é transigir ao fisiologismo, que eles só pensariam naquilo. Negociar com servidores, então, seria o fim da picada para quem é patrão acostumado a decidir sem ter prestar atenção a subordinados.
Ou como diz o ícone do atraso e da direita branca, o empresário bem-sucedido nas renúncias fiscais, Salim Matar, dos Seminovos, servidores “são privilegiados e consumidores de impostos”. Esse foi um dos últimos tuítes dele há quatro dias. O deputado Sargento Rodrigues (PTB), ao rebater, até ampliou o conceito de privilégios ao lembrá-lo que as empresas dele teriam tido renúncia fiscal de R$ 150 milhões por ano. O empresário bem-sucedido nessas isenções nada respondeu.
Estratégia fracassada
Iniciada em novembro passado, a estratégia política do regime de urgência confirmou ser, menos de cinco meses depois, novo fracasso daqueles que assumiram a coordenação do governo. Em off, é claro, como quem acredita que negociação política é jogo de bastidor, de quem é mais esperto do que o rival.
Se o governo reeditar, como admitem lá, o regime de urgência sobre a dita recuperação fiscal, haverá uma janela de 45 dias antes de nova trava sobre a Assembleia Legislativa. Até lá, o que se deduz é que esse prazo irá ultrapassar outro, dado como alerta pelo governador de que as liminares judiciais sobre a dívida cairão, atraindo o caos para Minas. Ledo engano ou, numa linguagem dos tempos sombrios, Fake News.
Tudo somado, podemos dizer que “já era” para o principal projeto de Zema. O ministro Nunes Marques ainda não se manifestou no Supremo; alguns acreditam que ele vai transferir a decisão para o plenário de obrigar a Assembleia mineira a votar o projeto da RRF. Sorte de Zema, porque o risco de sair derrotado nessa adesão é muito grande hoje.
Agostinho aponta inversão de valores
Em entrevista, há seis dias, o presidente da Assembleia, Agostinho Patrus (PV), questionou as prioridades do governo do partido Novo. “Devemos analisar o RRF a partir da perspectiva da prestação do serviço público. Tratá-lo apenas pelo ponto de vista do pagamento da dívida é ignorar que o objetivo central do Estado é a oferta de bons serviços públicos à população”, sustentou Agostinho.
Zema argumenta que o Estado não pode sobreviver com uma dívida com o governo federal de mais de R$ 120 bilhões. Por outro lado, seu projeto de adesão ao aperto fiscal não renegocia, nem de longe, esses valores. Com a adesão, o que ele quer, como permite a RRF, é adiar por nove anos o pagamento do serviço dessa dívida, no valor de R$ 800 milhões por ano.
Parece boa medida, mas, em contrapartida, o Ministério da Economia impõe venda de estatais, congelamento de reajuste para servidores, na progressão da carreira, proíbe investimentos. Ou seja, o Estado perde a autonomia administrativa e financeira para o Ministério da Economia, que dirá, a partir daí, o que o Estado pode ou não fazer; pode ou não gastar. Pra que, então, ter governo estadual e governador?
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