Bolsonaro é enquadrado e fica refém de Pacheco e Lira na pandemia
Numa ação articulada, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), enquadraram o presidente Bolsonaro (nem partido tem). É claro, o foco é combate à pandemia, até porque fazer algo diferente disso é sintoma de negacionismo e de ignorância.
Pacheco e Lira, cada um a seu modo, irão obrigar o governo a assumir a responsabilidade pela coordenação nacional da qual Bolsonaro se omitiu por mais de um ano. O resultado foi o que está aí: colapso na saúde e o saldo macabro de mais de 300 mil mortes. Se deixar, Bolsonaro vai querer igualar-se a seu ídolo, Donald Trump, que deixou herança de 4 mil mortes por dia.
Presidente da Câmara, Arthur Lira, o presidente Jair Bolsonaro, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, após reunião com ministros e governadores, foto Marcelo Camargo/ABr
Antes que isso aconteça, os presidentes do Legislativo nacional enxergaram que existe um limite igualmente antes de um remédio amargo. Não falo de cloroquina, que vai manchar o currículo de muitos médicos que aviaram receita de Bolsonaro, mas pode vir a ser o impeachment; se é que você me entende.
Um sopra, o outro morde
Tudo somado, nesta semana, ficou claro que Pacheco e Lira estão bem articulados para pressionar o governo Bolsonaro a mudar no combate à pandemia. Primeiro, a reconhecer a realidade pandêmica e abandonar o negacionismo, além de mudanças na condução da saúde. Não é de cloroquina, o país precisa de leitos de UTI, cilindros de oxigênio, respiradores e vacinas. Fora dessa emergência, máscaras, distanciamento social e mãos higienizadas (álcool gel 70%).
Com seu jeito mineiro de fazer política, apelando ao diálogo e ao entendimento, Pacheco convenceu Bolsonaro a reconhecer a crise sanitária e a assumir a responsabilidade de coordenação. Foi isso que aconteceu na quarta (24), quando Bolsonaro ‘foi reunido’ com os chefes de poderes, do Legislativo e do Judiciário, além de governadores amigos para o chamado pacto nacional.
E Pacheco será o chefe do comitê de crises que reunirá governadores menos opositores, por enquanto. O primeiro encontro aconteceu nessa sexta (26), para discutir e adotar medidas nacionais. Essas ações irão nortear o combate à pandemia daqui pra frente, tendo o Ministério da Saúde a função de assumir a responsabilidade executiva.
Vai mudar ou vai encarar?
Otimismo? Não; Vai mudar?, Não sei. Mas, daqui pra frente, Bolsonaro não poderá continuar fingindo que não é com ele, porque não terá como contrariar as decisões desse comitê. Caso contrário, terá que se entender com o Congresso Nacional. Aceitem ou não, ele está refém do Congresso Nacional, o que é bom para os brasileiros.
Já na quinta (25), o presidente da República assinou decreto (nº 10.659), formalizando a criação do Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento da Pandemia no País. O órgão será coordenado pelo próprio Bolsonaro e terá como integrantes os presidentes do Senado e da Câmara, além de membro observante indicado pelo Conselho Nacional de Justiça. O Ministério da Saúde exercerá a Secretaria-Executiva, como disse acima.
Em resumo. Bolsonaro aceita que um comitê supra oriente e defina as ações que são necessárias ao combate à escalada de mortes pela Covid e que seu governo teimava em não fazer.
Hora do remédio amargo
Agora é oficial. Caso ignore ou descumpra os pleitos do comitê da crise, aí entra em cena aquele discurso do presidente da Câmara dos Deputados. Poucas horas depois da reunião do tal pacto nacional, Lira fez um discurso até surpreendente para quem é líder do Centrão e teve o apoio de Bolsonaro para se eleger chefe da Câmara.
Para bom entendedor, disse ele que o Parlamento tem limites e que, quando chegar a esse ponto, poderá adotar remédios amargos e até letais. Ou seja, o instrumento para isso chama-se impeachment. Não precisa desenhar.
Bolsonaro sentiu tanto a advertência que chamou Lira para um cafezinho e fazer foto de encontro amistoso no dia seguinte, tentando desfazer a impressão de confronto. Fora do jogo de cena, Lira e Pacheco estão determinados a pressionar o governo a mudar. Além da virada no combate à pandemia, querem a cabeça do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
Assessorzinho petulante e supremacista
No meio do furacão, o governo demonstra mais descontrole por ser integrado por forças retrocessivas e ideológicas. Em resposta à pressão para tirar Araújo, um assessor internacional do presidente (não é um cargo qualquer, é um braço direito e da direita de Bolsonaro) reage.
O dito cujo se senta estrategicamente atrás de Pacheco e de Araújo, durante audiência no senado, e faz gestos obscenos e ideologicamente marcados por visão e comportamento racistas. Nos Estados Unidos, essas pessoas são conhecidas como supremacistas, aqueles que julgam que o poder tem que ser branco. Na verdade, é uma variante da famigerada organização racista ku klux klan.
Ataques em assembleia virtuais de sindicatos
Na mesma linha de insultos e ataques, um grupo que se intitula de bolsonarista invade, com mensagens de ódio, reuniões e assembleis virtuais de sindicatos. Na terça (23), assembleia de campanha salarial de jornalistas, gráficos e administrativo mineiros foi interrompida após invasão dessa milícia digital. Durante quase 10 minutos, usando disfarces, o hacker insultou trabalhadores, comunistas, LGBTI+, além de divulgar vídeos pornográficos e de apoio ao presidente da República. Isso tem acontecido em série em todo o país, quase sempre protagonizado pelo mesmo grupo.
O ataque, visto como atentado à organização sindical e social, já está sendo investigado pelo Ministério Público estadual e pela Delegacia de Crimes Cibernéticos. Por isso, na quinta (25), a presidente do Sindicato dos Jornalistas, Alessandra Mello, denunciou o ataque a essas duas instituições.
Na representação, elencou várias outras agressões semelhantes em universidades e reuniões de movimentos sociais pelo mesmo grupo. “O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG) solicita ao Ministério Público a abertura de uma investigação para desvendar quem está por trás dessa milícia digital que tem usado a internet para invadir debates e propagar discurso de ódio contra jornalistas e pessoas LGBTQI”, apontou.
É hora de as instituições democráticas e republicanas darem respostas aos ataques desse tipo, que, em última análise, são atentados contra o Estado de direito que representam.
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