Demissão de Mandetta amplia confronto político e agrava isolamento de Bolsonaro
Aqueles que foram eleitos – e deveriam, por isso, liderar o país nessa crise sem tamanho e inédita na vida brasileira – estão em conflito e confronto. A demissão de Henrique Mandetta do Ministério da Saúde acabou por incendiar ainda mais a crise, ampliando o fosso político. Para usar duas palavras da hora, agravando o distanciamento político entre eles e, em especial, o isolamento político do presidente Jair Bolsonaro.
Na despedida, Bolsonaro e Mandetta se cumprimentam em forma de coronavírus para disfarçar os ressentimentos de ambos, foto Marcello Casal Jr./Agência Brasil
A briga direta e explicitada dessa vez foi contra o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM). Sempre haverá um na linha de tiro da estratégia do capitão que aprendeu com destreza, no Exército, a procurar o inimigo, principalmente, onde ele não existe. “Ou ele pode estar camuflado, general”. Isso não importa para ele, até porque o mundo não é mais só real (não deram vida ao mundo e submundo virtuais?).
Três razões do confronto
São três razões desse confronto acirrado e anunciado. Vamos as elas. Primeiro, porque Bolsonaro demitiu o ministro que é do mesmo partido do presidente da Câmara e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, todos do DEM. É uma questão de lógica política, mas não de confronto. A segunda é que, por trás da demissão de Mandetta, esconde-se uma grave divergência sobre a condução da crise. E, principalmente, no combate à pandemia que vai se alastrando pelo país e ultrapassando, oficialmente, a casa de dois mil mortos.
Bolsonaro quer o fim das medidas de isolamento e de fechamento do comércio. A mudança pode piorar os riscos de a pandemia sair do controle. Ele quer usar medicamento não provado cientificamente, ao contrário de Mandetta. O ex-ministro priorizava a técnica e a ciência em vez do achismo e da economia. Por tudo isso, vem a terceira razão. Mandetta conquistou o apoio da opinião pública com mais de 70% de aprovação. Os ciúmes a essa aprovação maior do que a do presidente, por conta das divergências acima, provocou o desfecho.
Como disse o próprio Mandetta, no domingo (12), o povo brasileiro estaria perdido nesse tiroteio e na divergência de orientações. O certo é que, segundo essas pesquisas, pode-se deduzir que 70% aprovavam as orientações do então ministro Mandetta e 30% seguiriam o que diz pensar Bolsonaro. Enquanto isso, o número de mortos e de infectados avança.
Ataques desviam atenções
Para desviar as atenções, Bolsonaro foi ao ataque, na quinta (16), a Rodrigo Maia, afirmando que a intenção dele é tirá-lo do governo. E mais, disse que Maia tem “péssima atuação no Poder Legislativo, de conspirar contra o Brasil”. E que ele não estaria querendo conversar mais consigo. Estão de mal, como diriam as crianças.
A reação de Bolsonaro tem relação direta com a decisão da Câmara dos Deputados que aprovou compensação aos estados pela crise. O governo federal terá que repor as perdas com a arrecadação de impostos para estados e municípios. Maia disse que não vai responder aos ataques do presidente no “nível que ele quer”. Citou a velha “tática” política de trocar de assunto e transferir responsabilidades. “O povo brasileiro está preocupado. A saída do Mandetta preocupa 80% da população”, disse Maia.
E sobre o isolamento dele? Além do Congresso Nacional, há também os governadores de Estado que estão em linha oposta às orientações do presidente. Como eles, o Supremo Tribunal Federal (STF), que confirmou, na quarta (15), que estados e municípios têm autonomia para adotar as medidas que estão adotando, ainda que contrariem as do presidente. Não é só uma questão técnica e constitucional: os ministros do STF também discordam da orientação do presidente sobre a condução da crise.
Incapacidade leva ao isolamento
O que falta a Bolsonaro é a capacidade de compreender que a maioria do Congresso, do STF, dos governadores e dos prefeitos, assim como da população brasileira, não concorda com ele. Nem acredita que o caminho que ele propõe seja o mais eficiente para a crise. Ou ele tenta convencer a todos de que está certo, com argumentos sustentáveis, ou vai continuar brigando e perdendo o apoio. Aí o futuro da crise política e sanitária fica mais incerto. A essa altura, governadores de Estado e prefeitos já sabem como enfrentar a crise e não vão querer fazer experiências não amparadas pela ciência e técnica. Tudo somado, o mais importante é a saúde, como reconheceu o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, nesta sexta (17), durante sua posse. Se sobrevivermos à doença, estaremos fortes para reconstruir a economia e o Brasil. O Brasil, como o mundo, está ameaçado.
Ministro sofre primeiro ataque
E o novo ministro da Saúde já começou a ser atacado por conta de um vídeo que gravou no ano passado, apresentando um dilema da complexidade do sistema de saúde. Segundo Nelson Teich, chegará o momento em que o sistema irá escolher entre investir na recuperação de um idoso ou no tratamento de um adolescente.
“Como você tem o dinheiro limitado, você vai ter que fazer escolhas. Então você vai ter que definir aonde você vai investir. Então, eu tenho uma pessoa, que é uma pessoa mais idosa, que tem doença crônica, avançada, e ela teve uma complicação. Para ela melhorar, eu vou gastar praticamente o mesmo dinheiro que eu vou gastar para investir em um adolescente que está com um problema”, disse. “Só que essa pessoa é um adolescente que tem uma vida inteira pela frente e a outra é uma pessoa idosa que pode estar no final da vida. Qual vai ser a escolha?”, provocou ele, que é médico oncologista.
A declaração dele foi postada nas redes sociais do Instituto Oncologia, em abril de 2019, para promover o Fórum Nacional Oncoguia. Nas redes sociais, surgiram várias críticas. Numas delas, perguntaram: “e se o jovem de 18 anos for um negro e morador de favela, e o idoso, um banqueiro de 83 anos?”. Com a palavra, o novo ministro.